by Robério Matos
Eu preferia ter sido feito de barro
Como de barro foi feito Adão
Nos tempos idos da perfeição
Quando tudo era singelo e bizarro.
Ah! Quanta pureza e nostalgia...
Da coisa simples e sem bravata
Do que só valia o que a gente via
Não o faz-de-conta que sou psicopata.
Era Céu e Inferno e, no meio, o nada
Alguns tinham por atalho o purgatório
Outros, entretanto, só o falatório
Das más línguas ferinas e enfadadas.
Da multidão que esperava para ver
O que pior com o coitado iria surgir
No breve, obscuro e tenebroso porvir
Adrede preparado e só pra fazer sofrer
O desditoso que se aventurava esperar
Para só depois porventura se arrepender
De todo o mal que pudera arremeter
Contra os incautos que fizera acreditar.
Ah! Se de barro tivesse sido feito eu
Para não encucar com a física quântica
Que para ela tudo é questão de semântica
E no mais, nada de matéria... só o breu.
Como ficava simples e de bom agrado
Acreditar que tudo era muito limitado:
Que só havia Deus e o capeta imantado
E o resto era pensamento mal agourado.
Já hoje a coisa pra muito se modificou:
Temos que entender que tudo pra trás ficou
Que o mundo é só questão de possibilidade
Que posso ser todo o bem ou só maldade.
A realidade, impermanente, se modifica
Nós temos o livre-arbítrio, a escolha:
Seguimos no curso do rio que se vivifica
Ou nos tornamos um mero saca-rolha.