terça-feira, 8 de novembro de 2011

A HERANÇA



















Por Robério Matos


Assemelhamo-nos a uma plêiade de almas, desmaterializadas e vagando a esmo, haja vista que, não raro, os habitantes do planeta já não se cumprimentam, nem se tocam. Afastam-se.

Cada um busca o seu espaço e as suas conquistas; o tempo não é suficiente o bastante para se acomodar todas as ansiedades, todo o frenesi, e a ganância para armazenar bens materiais e efêmeros torna-se cada vez mais compulsiva.

A criança já não é mais criança. O jovem não é mais jovem, pois a pressa descabida não permitiu que amadurecessem segundo as leis da natureza.

Tal a colheita precoce de frutos ainda tenros, eles despencaram antes do amadurecer.

Negligenciaram as coisas simples e belas ("A vida que não é examinada não vale a pena ser vivida" – Sócrates). Não se viu o todo, holisticamente, mas tão-somente o vaga-lume que pousava na cauda do asno.

Os animais silvestres foram banidos do seu habitat e caçados impiedosamente. Os vegetais, extirpados pela raiz do solo fértil que a natureza lhes proporcionara. Em seu lugar surgem verdadeiras selvas de pedras. Onde havia a sombra refrescante das árvores, que oscilavam majestosamente sob o balanço cadenciado do vento, erguem-se monstros de ferro e concreto que, frios e impassíveis, acomodam em seus interiores os seres que se lhes merecem. Gente que perdeu a capacidade de sonhar, de sentir, de compartilhar a beleza universal.

Pessoas e veículos circulam cada vez mais depressa, atropelando-se em uma competição desarrazoada. O criador já não domina a criatura. Subjugou-se a ela.

Não mais se acode uma ave ferida. Já não se afaga a maciez aveludada de uma pétala de rosa.

Os rios e outros mananciais, vilipendiados, "vêem" dos seus leitos - outrora vivos e exuberantes - despontarem detritos, carcaças de répteis e "ouvem" o arfar dos peixes moribundos, à mercê da insensibilidade do homem que, insensato, destruiu o ecossistema.

As dunas e os morros revelam as suas calvícies, posto que desbravados sob o olhar cúmplice e silencioso daqueles aos quais cabiam a sua defesa e preservação.

Os pássaros já não encontram tantas árvores para pousarem e construírem os seus ninhos e dessa forma perpetuarem a espécie.

O ar que inalamos cada vez mais nos contamina e o vento que nos acariciava com suas brisas tornou-se quente e escasso. Por seu turno, as chuvas que, minguadas, restaram para abastecer os reservatórios do sertanejo afastaram-se de nós.

E assim passeia a humanidade, indolente, como em um eterno lazer ou em interminável gozo de férias, indiferente a tudo que acontece em seu derredor.

Não tardará o dia derradeiro em que ergueremos o olhar para os céus e não mais encontraremos a lua. Em que, ao escalarmos o cume das montanhas, não sentiremos a companhia da natureza e, em lugar do orvalho ao alvorecer, nos surpreenderemos com as cinzas sobre a relva outrora verde e úmida.

Nessa sombria e "nova era", abriremos as torneiras das bicas para nos deleitarmos com o frescor das águas e, angustiados, sentiremos sobre a nossa pele apenas o impacto térmico da ferrugem.

Para respirarmos, teremos que, em curtas prestações, enfrentar longas filas para a compra de oxigênio, e ao buscarmos a sombra, encontraremos apenas o sol inclemente e ameaçador.

Então dirão os nossos filhos: Esta é a terra que encontrei. Este é o legado dos nossos pais...

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