quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Nossos Filhos Não São Nossos Filhos*



Dias atrás fui proferir palestra para pais e mestres a convite da escola. Tentei sugerir maneiras de família e escola atuarem juntas visando à melhoria da qualidade do trabalho de ambas: o cuidar e o ensinar, respectivamente.

Quando o debate foi aberto, uma pergunta me veio mais ou menos nos seguintes termos: "Professor, o que você tem a dizer a uma mãe que lutou toda a vida para bem educar seu filho, o qual, agora jovem, parece não ter apreendido nenhum ensinamento a ele destinado?" A mãe se
manifestava angustiada porque "o filho andava bem longe do caminho que ela havia aberto para ele via educação".

Como sou pai e imagino o que pode se passar na cabeça de pais e mães quando a responsabilidade de gerar é lembrada, fui deixando alguma idéia interna surgir, silenciosa, enquanto a ouvia. Uma delas me fazia rememorar o fato de que, já na raiz, o ato de gerar é profundamente angustiante porque, sendo o não-ser uma mera possibilidade, aos pais cabe assumir o papel de plenipotentes para chamá-lo à existência. "Se pudesse optar,
ele corroboraria a nossa decisão?" – essa me parece a indagação perplexa que a maioria sequer considera digna de reflexão. Mas, ainda que inconscientemente, essa pergunta está lá, nos corações paternos, a exigir resposta.

À parte essa inquietação, muitas são as decisões e ações voltadas para a educação do filho já no embalo dos braços da vida. Na família e na escola, intensa ou mais folgadamente, lá estão pai e mãe zelando pela boa
educação da criança. Daí o desapontamento "patermaterno" quando, à primeira vista, parecem ter falhado na educação do rebento. Normalmente, pais e mães querem o filho realizando na vida filial o projeto familiar traçado, a priori, para ele.

Pesava essas imagens mentais quando a mãe terminou de fazer aquela pergunta e eu me pus a tentar entabular uma resposta. Então, comecei a falar àquela mãe que, realmente, em uma sociedade que prioriza o senso de posse a todo custo, parece boa a idéia de que "meu filho deve seguir
o caminho que dei a ele". No entanto, ponderei, pessoas não são coisas.


Enquanto a coisa pode ser propriedade de alguém e ser colocada aqui e ali, com uma pessoa a gente só pode se relacionar, vincular, querer bem e amar.
Por isso mesmo o filho não é nem extensão de nosso ser,
muito menos uma propriedade nossa.

Eles seguem os próprios caminhos, pensando os próprios pensamentos, sentindo os próprios sentimentos e fazendo frente aos próprios quereres.
Se assim é, como pode uma mãe se culpar pelo fato de o filho ter seguido um caminho diferente? Não estará ele a fazer o próprio caminho, aquele que ninguém no mundo poderá fazer em seu lugar? Nesse passo, lembrei-me das
palavras de Gibran, escritas em O Profeta: "Vossos filhos não são vossos filhos. São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma. Vêm através de vós, mas não de vós. E embora vivam convosco, não vos pertencem."

Oxalá compreendêssemos e observássemos a profundidade desses pensamentos!
Essa não poderia ser uma medida para que muitas de nossas angústias "patermaternais" pudessem ser vistas e vividas com menos peso, com menos sofrimento?


* Artigo publicado no jornal goiano Diário da Manhã, dia 12/12/2008, p. 24.
Wilson Correia
Ao usar este artigo, mantenha os links e faça referência ao autor:
'Nossos Filhos' Não São Nossos Filhos publicado 18/12/2008 por Wilson Correia em http://www.webartigos.com
Fonte: http://www.webartigo...l#ixzz15vCLBfd7

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