sábado, 29 de janeiro de 2011

Flexão do infinitivo causa polêmica

 

Flexão do infinitivo causa polêmica

 
 
Por Thaís Nicoleti


Foi sucesso nos anos 70, salvo engano quanto à data, uma canção de Hyldon (cantor e compositor popular brasileiro), cuja letra contém uma oração infinitivo-latina, tema deste texto. Alguns se lembrarão de já ter ouvido os versos

“Larga de ser boba e vem comigo
Existe um mundo novo e quero te mostrar
Que não se aprende em nenhum livro
Basta ter coragem pra se libertar, viver, amar

De que valem as luzes da cidade
Se no meu caminho a luz é natural
Descansar na sombra de uma árvore

Ouvindo os pássaros cantar, cantar, é
...”

Pois bem. O que nos interessa aqui é a construção “ouvindo pássaros cantar”. Ou seria “ouvindo pássaros cantarem”? A tendência hoje é fazer a concordância entre “pássaros” e “cantarem”, dado que existe uma relação de sujeito e predicado.

Ocorre, entretanto, que esse caso é um pouco diferente. Embora a concordância seja possível, sim, num caso como esse, a construção original (de característica latina) não prevê a flexão do infinitivo. O leitor, por certo, fica muito à vontade diante de construções como “É preciso fazer valer os seus direitos” ou “Deixai vir a mim as criancinhas”, em que não se cogitou fazer a flexão do infinitivo, apesar de o sujeito estar no plural.

É claro que a ordem dos termos (na tradição, o infinitivo vem imediatamente depois do auxiliar causativo e/ou sensitivo) favorece isso, pois o falante percebe a sequência de verbos como uma locução verbal (“Mande entrar os idosos”, “Ouça cantar os pássaros”).

Como proceder nas frases do dia a dia? Foi objeto de polêmica a construção a seguir:

"Pré-temporada de até 13 dias faz grandes paulistas ter treino em três turnos e contato antecipado com a bola.”

É o tipo de frase que, embora correta, parece errada. O infinitivo “ter” (da construção “fazer ter”) não foi flexionado, como quer a tradição, donde não haver “erro” na estrutura. Ocorre, porém, que as construções que têm acolhida na tradição (e que se mantêm inalteradas) são aquelas em que a ordem dos termos está invertida (sujeito no final, à maneira latina), o que funciona sobretudo com os verbos intransitivos. Repitam-se exemplos mencionados acima: “Fazer valer os seus direitos” (“valer” é intransitivo), “Deixai vir a mim as criancinhas” (“vir” é intransitivo), “Mande entrar os idosos” (“entrar” é intransitivo). Com os intransitivos, sem dúvida, a inversão funciona melhor.

Com os transitivos, como é o caso de “ter”, que está no fragmento em questão, não parece, hoje, ser a melhor solução porque causa certo ruído na leitura. A outra sugestão, igualmente aceita na norma culta, seria a seguinte:

Pré-temporada de até 13 dias faz grandes paulistas terem treino em três turnos e contato antecipado com a bola.

É fato, porém, que, se o sujeito do infinitivo for representado por um pronome, este deverá ser átono (o, a, os, as) e o infinitivo não será flexionado, resultando em construções do tipo “Mandou-os sair”, “Não as fez rir em momento algum”, “Viu-os chegar” etc. Na linguagem oral brasileira, essa regra é pouco respeitada. O leitor, com certeza, já ouviu o célebre “deixe eu ver”, que, na verdade, seria um “deixe-me ver” ( o pronome átono “me”, não o reto “eu”, é o sujeito do infinitivo).

É bom ter em mente que o tipo de construção discutido neste texto ocorre quando os verbos mandar, deixar, fazer, ver, ouvir esentir (e eventuais sinônimos) funcionam como auxiliares (causativos ou sensitivos) de verbos no infinitivo.

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