quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

O Matuto e o Doutor

Zé Laurentino (*)

Doutô não sou rico não
Mas vivo desapertado
Tenho uma casa de aipende
Vinte cabeça de gado
Uns quatro burro de caiga
E um cavalo manga laiga
Prumode eu andá montado.

Tenho uma roça bonita
De uveia tenho rebanho
Tenho um açude cheinho
Só mecê vendo o tamanho
Onde eu dou água a meu gado
E quando o calo ta danado
Serve mode eu toma banho.

Tenho um casa de menino
Uma mulé de verdade
Tenho um rádio falado
Que eu comprei na cidade
E uma viola de pinho
Onde toco bem cedinho
Mode espantá a sodade.

Um boi, um cutivador,
Vinte quadro de raiz,
E tá todinho cercado
A cerca fui eu quem fiz
Bode p’ru riba não sarta
Mais com tudo ainda farta
Uma coisa preu ser feliz.

Pode acreditá douto
Eu vivo sentindo fome
Mas não é fome de comida
Lá em casa a gente come
Tem dinheiro na gaveta
Eu sinto fome é das letra
Eu quero assiná meu nome.

P’ra eu não mandá lê carta
Pelos fí de seu Honoro
Pruquê as veis é segredo
E ele espaia o falatoro
Descubrindo os meu segredo
Pra eu não suja mais os dedo
Nos tinteiro dos cartoro.

P’ra não anda preguntando
Os carro pra donde vão
P’ra quando eu fô p’ra os banco
Não leva pricuração
Quero meu nome assina
Prumode eu também vota
Nos dia de eleição.

Me ensine lê seu douto
Eu peço pru caridade
Voimicê que é sabido
Que mora aqui na cidade
Me ensine a lê e conta
Prumode eu completa
A minha felicidade.

Doutor:
Caboclo eu não te ensino
Mas te aconselho, afinal
Quer aprender a ler?
Carta, bilhete, jornal?
Ler, escrever e contar
Pois vais te matricular
Num dos postos do Mobral.

Lá tu irás encontrar
Professora competente
E que no mundo dos livros
Vai clarear tua mente
Saber é algo profundo
Tu irás ver este mundo
Com uma visão diferente.

Vais caboclo nordestino
Da bravura és o perfil
A escola te espera
Com teu aspecto gentil
Ponha os livros nas mãos
Vais ajudar teus irmãos
A educar o BRASIL.

Matuto:
Muito obrigado douto
Pelo conseio, o afeto,
Vô convida a mulé,
Meus fios tomém meus neto
Não vô mais sê imbeci
E breve eu grito ao Brasí
Não sô mais anarfabeto!

Vô hoje mermo p’ra iscola
Com o livro, caderno e giz
Pois estudano eu tomem
Ajudo ao meu país
Depois que eu aprende a lê
Aí eu posso dize
Sô um caboco feliz!!!


(*) Zé Laurentino: Natural do Sítio Antas,
Puxinanã/PB. Caririzeiro, de orígem rural,
começou fazer versos aos 12 anos de idade.

Um comentário:

  1. "O Matuto e o Doutor" estão passeando no meu Twitter.

    Abraços.

    GoretiRocha

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Muito obrigado! Seu gentil comentário nos estimula a seguir adiante.

Carpe diem!